FILOSOFIA – 3º ANO – PROFª ADALGISA
Importância da política
Como se sabe, 1964 é o ano do golpe militar no Brasil.
Pela violência das armas e com o apoio de importantes setores da vida
brasileira, entre eles a grande imprensa — principalmente do Rio de Janeiro e
São Paulo —, parte da cúpula da Igreja e a classe média urbana conservadora, os
militares tomaram o poder e fecharam o Congresso Nacional. Em 1984 ocorre o
movimento das "Diretas-já". No ano seguinte, houve o encerramento do
ciclo de governos militares cujo último representante, o general João Baptista
Figueiredo, celebrizou-se por declarações excêntricas às quais, na época, a
imprensa deu ampla repercussão.
A partir de 1984, a política entrou na ordem do dia, no
noticiário da tevê, rádio e jornais, nas novelas, nas conversas de botequim,
etc. Não que antes não se falasse dela, mas
daí em diante virou mania nacional. O fato é que chegava ao fim o
governo do general Figueiredo. A Constituição previa uma eleição indireta do presidente da República por um Colégio Eleitoral
formado por congressistas. Cada vez mais, vários setores da sociedade
clamavam por eleições diretas.
O deputado federal Dante de Oliveira
fez um projeto de emenda constitucional propondo eleição direta à presidência da República já para a sucessão ao
general Figueiredo. Foi a famosa iniciativa
das "Diretas-já". Aos poucos, a ideia tomou conta da sociedade, não
sem antes quebrar a resistência de grandes grupos económicos, sobretudo na área das telecomunicações. Embora os meios
de comunicação promovessem e dessem
ressonância ao entusiasmo da sociedade com as "Diretas-já", a emenda
foi derrotada no Congresso Nacional.
Ela obteve a maioria de votos (298 contra 65, com 116 ausentes e 3 abstenções), mas não o número
suficiente para perfazer dois terços dos votantes, quorum requerido pela Constituição para uma votação
daquela natureza. Daí em diante foi
uma "montanha-russa". Uma sucessão de clímax e anticlímax.
Primeiro veio a eleição de Tancredo Neves, um nome da
oposição, no Colégio Eleitoral. Isso foi conseguido com uma cisão no partido do
governo que levou para a oposição parte dos políticos que haviam participado do
golpe e de seu recrudescimento entre 1964 e 1968. Foi uma congratulação total.
O Brasil se redemocratizaria. Nascia a Nova
República. Na véspera da posse, porém, Tancredo Neves foi hospitalizado
e faleceu algumas semanas depois. Em meio à comoção nacional, o ataúde de
Tancredo, coberto com a bandeira brasileira, foi acompanhado num cortejo
poucas vezes visto no país: seguiu pelas ruas de São Paulo, depois por São João Del Rei, em Minas Gerais.
O vice-presidente José Sarney assumiu, então, a
presidência da República. Pode-se
dizer que, mais do que senso de oportunidade, ele contou com o beneplácito dos deuses. Passou todo o período da
ditadura no poder e, quando ela
agonizava, reciclou-se. Pouco tempo depois, foi reentronizado, agora no centro do poder, como um artífice, baluarte, fiador
da democracia. Ao final de seu
governo, o país estava um caos. Nunca os políticos estiveram tão em baixa. Fez-se uma
nova Constituição, sob a batuta do deputado Ulisses Guimarães. A marca do final do governo Sarney foi uma
superinflação e um rosário de denúncias
de corrupção.
Eis que surge um "redentor da pátria". Jovem,
viril, voluntarioso, prometia levar
o povo brasileiro ao gozo total do desenvolvimento e da modernidade: o Primeiro Mundo. A designação "Primeiro
Mundo" já havia sido usada antes, mas restrita ao campo da análise política ou geoeconômica.
Indicava os países industrializados
e com relativa estabilidade, principalmente da Europa ocidental e América do Norte. Não tinha ainda a conotação de
subserviência/superioridade que o jargão
publicitário depois incorporou.
Fernando Collor de Mello ganhou a primeira eleição direta
para presidente no país desde 1960. E sua queda
foi tão vertiginosa quanto sua ascensão: acabou afastado pelo impeachment. Aí veio Itamar
Franco. E o país ficou num estado de
suspensão até a eleição de 1994.
Durante esse período que acabou de ser descrito, a
política e os políticos foram
da apoteose, da glorificação, à danação, à execração pública. Passaram a ser identificados como inimigos públicos e a política
como a mais vil das atividades.
Pêlos idos de 1980, a palavra democracia era
balbuciada suavemente. A política e a redemocratização estavam na ordem do dia.
Rapidamente se chegou ao inverso. Houve um fastio, um enfado com a política e
os políticos. E, embora se
esteja falando do Brasil, é curioso notar que o mesmo fenómeno do desgaste e da rejeição correu e corre mundo afora. Basta
acompanhar o noticiário internacional
para perceber como isso também acontece nos Estados Unidos, na Europa ocidental e no Japão, a grande potência
econômica do Oriente.
O fastio é tanto que, nas eleições de 1994, a vedete foram os votos
brancos, nulos e as abstenções, que
patentearam a falta de entusiasmo e o descaso com a política. Nada daquele clima de festa cívica que as
estações de televisão gostam de
exaltar em dias de eleição. Em seu lugar, a apatia, o desinteresse.
Nasce, então, uma questão importante. Não há um só país
no mundo em que não se faça política, onde não
haja governo, presidentes, ministros, príncipes, reis ou deputados. Quer se dirija o olhar para
países pobres, quer se observem
os países ricos, a política sempre está presente, e é fácil observar sua importância. Qual o motivo do descaso e da rejeição
da política? Por que algo de que
nenhum país pode prescindir aparece como coisa tão desprezível e destituída de importância?
Entendendo o que são o poder e a política, obtêm-se
subsídios para melhor julgar
essa situação.
Eu sou eu e mais minha circunstância
É ainda uma ocasião para refletir sobre a
interdependência entre o exercício da soberania do eu, do individual, e a necessidade física,
social e psicológica de reconhecimento do tu; até porque esse tu só é um tu visto por mim, que sou um
eu; mas visto de si mesmo ele não é um tu, é um
eu. A dimensão da intersubjetividade e a dimensão do social são iniludíveis. Este é um dos elementos constitutivos
do campo de significação da política.
Como se vê, o exame de uma situação corriqueira da vida
cotidiana encerra questões teóricas cuja
problematização não é menos necessária do que a resolução de problemas da vida prática. Mais que isso:
nota-se que tais problemas têm resoluções que só aparentemente são simples e
desligadas das influências teóricas ou
abstratas. Na verdade, a resolução desses problemas inclui uma dimensão teórica e abstrata tão real e presente quanto suas
dimensões práticas e concretas. O
senso comum não costuma perceber isso.
Observemos um outro exemplo. Os prédios de apartamentos
constituem uma engenhosa solução encontrada pêlos homens para a potencialização
do uso
do espaço nas cidades. Tomemos um
prédio de dez andares com quatro apartamentos por andar como exemplo.
Admitamos que em cada um deles more uma família. Cada família usa e dispõe do espaço interno de seu apartamento e
gerência esse uso interno de acordo com
seus interesses, vontades, inclinações, etc. Mas o prédio não é composto somente pêlos espaços de uso
particular. Há as áreas de circulação
como escadas, elevadores, corredores, e áreas partilhadas por períodos mais longos como playgrounds, salas de
reunião ou jogos, piscina, sauna, lavanderia, etc.
Vê-se que a manutenção ou o trato dos apartamentos cabe a
cada morador, bem como o que acontece em seu interior, enquanto a manutenção e
o trato dos espaços compartilhados por todos não cabe a nenhum morador em especial. Qualquer
pessoa a quem se perguntasse a quem cabe o cuidado e a manutenção desses espaços responderia: "Ao
condomínio!"
Ora, o morador de cada apartamento é concretamente
identificável. É homem ou mulher, jovem ou idoso,
médico ou publicitário, etc. Quando se diz morador, identifica-se
a dimensão da vida que é particular e privada. Quando se diz condomínio, alude-se a uma entidade abstrata.
Sabe-se quem é o morador do apartamento 102 ou do 204. Mas quem é ou o que é o
condomínio? A resposta a essa
questão é obtida quando se observa que cada pessoa não é somente morador, ou seja, que a vida de cada pessoa não tem
somente uma dimensão privada. Cada
pessoa e cada morador vive a sua vida também na dimensão pública. E essa dimensão pública nasce exatamente da necessária
sociabilidade dos homens.
Então, enquanto uma pessoa age no estrito âmbito do
interesse particular, tem-se o
morador. Enquanto age, ainda sob a responsabilidade particular, mas de tal modo que essa ação diz respeito à dimensão
compartilhada e social da vida, deixa de ser apenas a pessoa morador, passando
a ser também um condômino.
Revendo as teorias políticas
A palavra política tem sua origem na língua grega,
mais precisamente no vocábulo polis, que compreende dois horizontes de
significação. De um ponto de vista
formal e institucional, ela indica um tipo de organização da população que existiu na Antiguidade clássica e que não se
restringiu aos gregos, ostentando as seguintes características:
1) A tripartição do governo em uma ou mais assembleias,
um ou mais conselhos, e certo
número de magistrados escolhidos quase anualmente entre os homens elegíveis; 2) a participação direta dos cidadãos no processo
político: a noção de cidade-estado implica
a existência de decisões coletivas, votadas depois de discussão (nos conselhos
e/ ou nas assembleias), que eram obrigatórias para toda comunidade, o que quer
dizer que os cidadãos com plenos direitos
eram soberanos; 3) a inexistência de uma separação absoluta entre órgãos de governo e de justiça, e o fato
de que a religião e os sacerdócios integravam o aparelho de Estado (Cardoso,
1990: 7).
De um ponto de vista semântico ou interpretativo, polis
quer dizer "cidade".
Não na acepção apenas física ou topográfica, mas incluindo também aquele espaço público, o espaço da intersecção da vida
dos indivíduos numa comunidade,
num coletivo.
Dessa forma, o núcleo de significação da palavra política
vem, principalmente, da
Antiguidade grega e nela encontra-se o atestado de nascimento ou a
carteira de identidade da política, isto é, da arte política. E isso fica
claramente indicado quando se ajusta o olhar
histórico.
Platão: a política com arte
Platão, com quem a filosofia ganha status definitivo
de saber articulado e fundado, produz
uma obra cujo título é A República. Nessa obra, a política é caracterizada como a arte de definir e praticar a
administração da justiça. Mas esta só
pode ser definida desde que se ultrapasse o âmbito da mera opinião.
Ela não é algo que assuma uma forma aqui e outra acolá.
Ela pertence à ordem de um saber universal, à
ordem da perenidade do ser. E, como o conhecimento dessa ordem universal é próprio da filosofia, só o
filósofo pode e deve governar.
Platão passa à história como aquele que tenta ultrapassar o jogo das opiniões.
Mostra que a atividade de governar, isto é, a atividade de cuidar das coisas da
cidade não pode e não deve ser regulada pelas conveniências, posto que esse caminho levará ao exercício do poder
baseado na força e tal recurso é ineficaz
para realizar o bem da cidade.
O essencial aqui é perceber a importância das
especulações dos gregos do século V a.C. e, em particular, observar que, com
Platão, a política, isto é, o trato
das coisas da cidade, não pode ficar na dependência da opinião, e que, se isso ocorre, descamba-se fatalmente para a
violência e o emprego da força bruta. Os dois são ineficazes para salvaguardar o bem da cidade.
Não cabe aqui um julgamento da teoria filosófica e
política do platonismo. Até
porque isso demanda um estudo amplo e rigoroso. O que se pode ver é o nascimento da política enquanto arte e atividade
absolutamente indispensáveis à sobrevivência
da sociedade e, além disso, a inseparabilidade entre a ideia de governo e a ideia de razão.
Aristóteles: as formas do poder
•' Outro "momento" importante para se
ampliar a compreensão das ques
tões relativas à política está na obra de Aristóteles. Aliás, o termo política tem seu
uso generalizado por influência de uma obra de Aristóteles intitulada Política.
Nela, o autor estabelece, entre outras coisas, duas referências importantes.
tões relativas à política está na obra de Aristóteles. Aliás, o termo política tem seu
uso generalizado por influência de uma obra de Aristóteles intitulada Política.
Nela, o autor estabelece, entre outras coisas, duas referências importantes.
A primeira é a tipificação das formas de poder: o poder
paterno, o despótico e o político. O poder paterno
se exerce no interesse dos filhos; o despótico, no interesse do senhor; e o político, no interesse de
quem governa ou de quem é governado.
A segunda diz respeito às formas de governo: a monarquia (poder de um só); a oligarquia (poder de poucos); e a
democracia (poder da maioria).
Aristóteles recomenda as formas de governo que misturam
os vários tipos existentes. Para ele, o homem é, por natureza, um animal social
e político. Assim, vive em
sociedade e forma uma comunidade política. Também é da natureza humana buscar a felicidade e o sumo bem. Portanto,
a felicidade e o sumo bem só poderão
ser alcançados na vida da polis. A sociedade política ganha a dignidade de uma obra da razão e é uma das mais altas e
nobres criações humanas.
O desejo dos camponeses, os interesses dos mercadores, as
necessidades dos artesãos, tinham fornecido o quadro para o surgimento de um
Estado centralizado e forte, em substituição ao
emaranhado confuso de um período em que a soberania estava pulverizada entre senhores com terras —
e, portanto, riqueza —, suficientes
para juntar exércitos, erguer fortificações e oferecer àqueles que os homenageavam uma vida segura dentro de um feudo.
Mas esse Estado cresceu demais, e não apenas passou a
rivalizar com o poder papal, como também se
transformou em entrave para a burguesia, que cresceu à sua sombra. Passou, então, a ser acossado tanto
por essa burguesia quanto por uma
massa de camponeses que, embora tivessem conquistado o direito de produzir, eram massacrados por impostos para
sustentar a vida suntuosa dos nobres
da corte e dos clérigos.
LIVRO: Um Outro Olhar, Souza, Sonia Maria
Ribeiro de, Ed. FTD
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